Por milhares de anos, as pessoas suspeitam que os deuses - invejosos, ambiciosos, traiçoeiros e todos egoístas - estejam apenas de embromação, sem necessariamente buscarem o melhor para a humanidade. Nos videogames, essa suspeita ganhou a voz áspera de Kratos, o atormentado soldado espartano que é um dos personagens de videogame mais cativantes da última meia década.
Quando encontramos Kratos pela primeira vez, cinco anos atrás no God of War original, ele havia acabado de ser ludibriado, matando sua esposa e família pelo deus que jurou servir, o cruel Ares. Fortalecido por Atenas, Kratos parte em uma grande missão de vingança que, agora, no novo God of War III, desenvolvido pela Sony para o Playstation3, leva-o ao monte Olimpo numa busca para matar o próprio Zeus.
No momento, Kratos está tão consumido pela sede do sangue de Zeus que a razão exata para sua motivação no novo jogo é quase irrelevante. Brutal e destituído de qualquer compaixão ou consideração, Kratos, no entanto, ganha a empatia do jogador simplesmente porque os deuses e outros imortais são insolentes demais.
Quando Kratos chega a seu confronto final com Zeus, cerca de 15 horas de jogo, Hades, Hélios, Hefesto, Hera, Hércules, Hermes e Poseidon, sem mencionar o titã Cronos, estão todos mortos. E, com a possível exceção de Hefesto (dublado magistralmente por Rip Torn), o jogador fica bem satisfeito em vê-los decapitados, estripados, afogados ou despachados de alguma outra forma.
Então, sim, tripas voam, cabeças e outros membros são arrancados, enquanto Kratos golpeia e retalha até Hades e Tártaro. Tudo é bem sangrento. No entanto, isso é uma mera amostra das inúmeras atrocidades que os deuses rotineiramente infligem nos humanos e entre si nos mitos.
E como alguém que acabou recentemente de ler Metamorfoses, de Ovídio, eu quase fugi do God of War III imaginando quão enfadonho o jogo deveria ser. Como é de se esperar, o jogo não tem nenhuma relação com as inúmeras instâncias de exploração sexual, mutilação genital, incesto e vários outros crimes sexuais revoltantes que são basicamente a espinha dorsal das sagas gregas. A única cena de sexo no jogo é um ato inteiramente consensual entre Kratos e Afrodite (enquanto o desafortunado chifrudo Hefesto trabalha na fornalha na porta ao lado) que sequer aparece na tela. Ao invés disso, o jogador escuta a paixão de Afrodite enquanto assiste à reação de suas duas criadas com seios desnudos.
God of War III não inova. Mas ele não precisa inovar. O brilhantismo da série God of War sempre esteve em sua combinação equilibrada e acessível de simples enigmas lógicos entrelaçados a ambientes virtuais e combates corpo a corpo viscerais e sangrentos. God of War III não estraga isso.
A direção de arte não possui a amplitude e diversidade criativa do God of War II, de 2007; apesar de toda a beleza em alta resolução do PlayStation 3, os ambientes infernais de God of War III acabam sendo um pouco monótonos. Mas em sua proposta firme, combate fluido e animação em geral excelente, o novo jogo mantém a posição de God of War como uma das franquias definitivas nos jogos de ação.
Em termos de jogabilidade, a equipe da Sony em Santa Monica claramente não estava tentando fazer graça ao ajustar a mistura feliz de combate e solução de enigmas que é a fundação de God of War. Os enigmas geralmente são resolvidos por meio do uso inteligente do ambiente físico virtual e, mais importante, eles fazem sentido, ao invés de parecerem arbitrários (um particularmente desafiador claramente foi inspirado em uma das obras mais famosas do artista holandês M.C. Escher, embora eu não vá entregar qual).
De forma semelhante, o combate do God of War III mantém a tradição da série de ser fácil o bastante mesmo para o mais inapto dos jogadores conseguir detonar nos níveis de dificuldade baixa. Nos níveis mais altos, o jogo fornece um desafio técnico um pouco maior, mas nunca tão difícil quanto os jogos de luta sérios japoneses.
No final, depois da pancadaria e de todos aqueles crânios, o emocionalmente esgotado Kratos encontra enfim um tipo de redenção. Ele demonstra que talvez sejam os deuses que têm algo a aprender conosco. Kratos pode acabar sendo um dos mocinhos, no final das contas.
Kratos enfrenta Zeus em ’God of War III’
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