Agora, porém, preocupada com a possibilidade de que o Mickey tenha se tornado mais um símbolo empresarial que um personagem amado, para as gerações recentes de jovens, a Disney decidiu correr o risco de reformular sua imagem para o futuro.
O primeiro vislumbre desse processo surgirá no ano que vem, com um novo videogame, Epic Mickey (Junction Point), no qual o personagem, antes conhecido como sempre muito certinho, será mais ríspido e astuto, bem como heróico, ao realizar uma viagem por uma região devastada. E ao mesmo tempo, por meio de um esforço paralelo mas separado, a Disney deu início a um novo projeto, ainda mais amplo, para repensar a personalidade do personagem, da maneira pela qual ele anda e fala à forma pela qual ele aparece no Disney Channel e interage com as crianças na Web - o que inclui até a decoração de sua casa no Disney World.
"Meu deus, a oportunidade de mexer em um dos ícones mais reconhecíveis do planeta Terra", disse Warren Spector, diretor de criação da Junction Point, uma produtora de videogames controlada pela Disney que se encarregou de produzir o Epic Mickey.
O esforço de reformulação do Mickey ainda está no começo, mas envolve as principais cabeças da empresa nos campos de criação e marketing, incluindo Robert Iger, o presidente-executivo da Disney. O projeto ganhou ainda mais ímpeto esta semana, com o anúncio de que, depois de 20 anos de negociações, a empresa enfim recebeu a aprovação do governo chinês para abrir um parque temático em Xangai, China, o que poderia abrir um novo e imenso mercado para os produtos do Mickey.
Os executivos da Disney caminham com cuidado e estão tentando manter a discrição, enquanto discutem até que ponto ousam alterar um dos personagens mais duradouros na história da cultura pop, a fim de induzir as novas gerações de crianças, acostumadas à Internet e mensagens de texto, a adotá-lo. Os executivos da Disney observarão atentamente a recepção a Epic Mickey, a fim de determinar o rumo da reformulação mais ampla.
Manter os personagens de desenho animados aprisionados em seu tempo é um dos mais seguros caminhos para a irrelevância. Embora Mickey continue a ser um superastro em muitos lares, sua natureza estática levou toda uma geração de norte-americanos - que cresceram com a Nickelodeon e Pixar - a conhecê-lo, mas talvez não a amá-lo. As vendas no mercado norte-americano sofreram queda especialmente perceptível. Dos US$ 5 bilhões em mercadorias com a marca Mickey vendidas em 2009, menos de 20% foram comercializados nos Estados Unidos.
"Existe um claro risco de alienarmos o nosso consumidor primário, ao mexer com um personagem sagrado, mas a essa altura é um risco que eles são forçados a correr", diz Matt Britton, diretor executivo da Mr. Youth, uma consultoria de marcas de Nova York.
Em Epic Mickey, jogo cujas bases foram criadas por um grupo de estagiários da Disney em 2004, o personagem título continua a exibir os traços que sempre o caracterizaram: ele é aventuroso, entusiástico e curioso. "Mickey jamais será malvado ou sairá por aí matando pessoas", disse Spector.
Mas ele tampouco continuará a ser chocho. "Eu queria torná-lo um pouco mais travesso - quando a pessoa estiver jogando como Mickey, poderá se comportar mal e até ser um pouquinho egoísta", disse Spector.
De muitas maneiras, isso representa um retorno ao Mickey que existia originalmente. Quando ele apareceu pela primeira vez, no desenho Steamboat Willie, de 1928, Mickey era como o Bart Simpson de sua era: um baderneiro desinibido que entrava em brigas, pregava peças nos amigos (pobre Clarabela) e, posteriormente, mostrava agressividade em seu amor por Minnie.
Epic Mickey, criado para o console Wii, da Nintendo, se passa em uma "terra arrasada" dos desenhos animados, onde vivem criações esquecidas e aposentadas da Disney. O principal desses moradores é Oswald, o Coelho Sortudo, personagem criado em 1927 por Walt Disney como um precursor de Mickey, mas posteriormente abandonado devido a uma disputa com o Universal Studios. No jogo, Oswald é um personagem amargo, invejoso da popularidade de Mickey. A trama também conta com uma versão robotizada do Pato Donald e com uma versão "distorcida, quebrada e perigosa" de It's a Small World, uma das atrações da Disneylândia.
Usando tinta, solvente e um pincel mágico, Mickey precisa deter o Fantasma Borrão, que controla o território, conquistar a confiança de Oswald e salvar a situação.
Os consumidores só terão acesso ao jogo no final do ano que vem. As expectativas são intensas. "Nossa, isso é maravilhoso", disse Eli Gee, do site GameInformer: "estou muito, muito entusiasmado".
Outros observadores parecem menos impressionados. "A abordagem precisa ser tratada com muita cautela, dada a dificuldade que as produtoras de jogos vêm encontrando para firmar terreno com o Wii", disse Doug Creutz, analista de mídia da Cowen and Co.
"Trata-se de uma grande oportunidade para reforçar a relevância de Mickey e levá-lo a uma mídia de crescimento mais rápido", disse Jim Wilson, presidente-executivo da divisão norte-americana da Atari.
Não que a ideia não seja radical. "Fui aconselhado a não chegar a um veredicto antes que pudesse estudar todo o pacote", disse Graham Hopper, vice-presidente executivo do Disney Interactive Studios.
A Disney tem fortes ambições no setor de videogames, e investiu quase US$ 180 milhões em seu desenvolvimento, só este ano. A companhia conseguiu lançar títulos derivativos de sucesso, mas até agora não criou um jogo que se tornasse sucesso de vendas de maneira autônoma. A Disney faturou cerca de US$ 86 milhões com a venda de videogames nos Estados Unidos entre janeiro e setembro deste ano, de acordo com dados do grupo de pesquisa NPD. A Nintendo of America, maior vendedora de videogames, faturou US$ 1 bilhão.
Iger resolveu um problema de direitos legais do jogo por meio de um acordo com a NBC Universal, em 2006. Nas negociações, ele persuadiu os dirigentes da empresa a trocar os direitos sobre Oswald pelos direitos da Disney sobre o trabalho do locutor esportivo Al Michaels. A NBC queria Michaels como locutor dos jogos de futebol americano que passaria a transmitir, e Michaels estava interessado em aceitar a proposta, mas ele estava sob um contrato de longo prazo com a ESPN, uma subsidiária do grupo Disney.
Nesse meio tempo, Spector batalhava para encontrar o modelo tridimensional mais correto para o camundongo, consultando diversos animadores e também John Lasseter, co-fundador da Pixar.
Esforços consideráveis foram empreendidos para criar um fundo que ressalte a liberdade de escolha e as consequências das ações de cada um. Os jogadores podem se comportar de modo completamente feliz, e ajudar outros personagens - o que facilitará suas tarefas na terra arrasada - ou optar por comportamento mais egoísta e destrutivo, com as consequências negativas que isso acarreta, entre as quais um Mickey que fica cada vez mais parecido com um rato.
"Em última análise", disse Spector, "os jogadores precisão se perguntar que espécie de herói desejam ser". E, no que tange ao Mickey, a Disney está fazendo a mesma pergunta.
'Epic Mickey' será lançado no final de 2010
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