quarta-feira, 8 de outubro de 2008

Morte de detidos inspira jogo online

A morte, em 007, de Boubacar Bah, um alfaiate da Guiné detido em uma prisão de Nova Jersey por estar nos Estados Unidos há mais tempo do que seu visto permite, provou que a detenção de pessoas acusadas de delitos de imigração é um dos cantos mais sigilosos da vida norte-americana. Mas agora a história de Bah está sendo contada de maneira pública incomum: em um jogo na Internet.

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O jogo, criado pela Breakthrough, uma organização internacional de defesa dos direitos humanos sediada em Nova York que está tentando angariar apoio público a uma fiscalização mais forte do que acontece nos centros de detenção, usa a história da Bah para conduzir os jogadores uma visita a um centro de detenção simulado e ao sofrimento documentos de muitos outros detidos. Entre eles está uma mulher grávida que teve de fazer seu parto algemada e um veterano do exército que passou três anos detido enquanto combatia a deportação.

O videogame (disponível em http://66.232.104.66/homelandgitmo
.com/) atribui ao jogador o papel de um repórter que precisa encontrar pistas sobre a morte de Bah, 52, que sofreu fratura craniana e hemorragia cerebral no Centro de detenção de Elizabeth, Nova Jersey. Um guia em forma de animação conduz a depoimentos em vídeo de antigos detidos e a informações que resolvem o mistério do que aconteceu a Bah.

A estrutura de ficção ignora as regras tradicionais do jornalismo - o repórter aceita um emprego como guarda do centro e escreve um apelo por mudança em primeira pessoa, e não uma reportagem-, mas o conteúdo que ele encontra ao longo do caminho é sustentado por links a artigos reais de jornais, documentos judiciais e outros materiais factuais.

Mallika Dutt, diretora executiva da Breakthrough, disse que o jogo, parte de uma campanha via Web chamada End Homeland Gitmos, foi inspirada por uma reportagem do "New York Times" sobre a morte de Bah, em maio de 2008.

O artigo mencionava documentos internos da Corrections Corp. of America, a empresa privada que opera o centro de detenção de Elizabeth para o governo, afirmando que depois que Bah foi ferido, terminou deixado em uma cela de isolamento sem qualquer tratamento por 13 horas. A família do detido não foi notificada sobre a situação durante cinco dias. Depois de quatro meses em coma, Bah morreu em maio de 2007, a despeito de uma cirurgia cerebral de emergência.

Funcionários do serviço federal de imigração afirmam que uma revisão da morte está em curso.

Kelly Nantel, porta-voz do Serviço de Imigração e Alfândega, afirmou na quinta-feira que o jogo era "um trabalho de ficção que desumaniza os indivíduos representados e distorce grotescamente as condições que prevalecem nos centros de detenção".

"Acredito que a maioria das pessoas informadas sabe que a realidade fica na porta quando entram no mundo de um jogo", acrescentou.

Misturar fato e fantasia é território familiar para a Breakthrough, que tenta galvanizar apoio entre os jovens utilizando novas ferramentas da cultura popular e colocá-los no papel de imigrantes legais e ilegais.

Em fevereiro, a organização lançou o "ICED", um jogo no qual os participantes representam um de cinco personagens com status incerto diante das autoridades de imigração, que lutam para evitar a deportação e garantir cidadania.

Dutt disse que o jogo, que atraiu grande atenção da mídia, foi baixado 110 mil vezes. Alguns defensores de medidas de fiscalização mais severas classificaram o esforço como propaganda em favor da imigração ilegal. Mas muitas organizações educativas, religiosas e defesa dos imigrantes o adotaram como antídoto para "Border Patrol", um jogo de Internet no qual o participante atira contra caricaturas de latinos que tentam atravessar correndo a fronteira entre México e Estados Unidos.

"As medidas de policiamento do Departamento de Segurança Interna se tornam mais e mais draconianas, e conduzem a conseqüências graves, como a morte, para muitas pessoas", afirmou Dutt em mensagem de e-mail esta semana, acrescentando esperar que o jogo conquistasse apoio a um projeto de lei recentemente apresentado que criaria proteção legais aos alvos de ações de repressão à imigração ilegal e imporia padrões juridicamente protegidos de cuidado com os detidos.

Um projeto foi apresentado no Senado por dois democratas, Ted Kennedy de Massachusetts e Robert Menendez, de Nova Jersey; outro foi apresentado na Câmara sexta-feira pela deputada Lucille Roybal-Allard, democrata da Califórnia.

Outro projeto de lei, a chamada Lei de Informação sobre Mortes em Custódia, estava destinado a rápida aprovação no Congresso, mas o senador republicano Tom Coburn, do Oklahoma, bloqueou a medida.

Em 25 de setembro, o Comitê Judiciário do Senado não só aprovou como expandiu a proposta, acrescentando os centros de detenção da imigração às cadeias estaduais e locais que terão a obrigação de reportar a morte de pessoas sob custódia ao Departamento da Justiça, se desejam receber verbas federais de policiamento. Coburn afirmou que o governo federal não devia impor normas a estados e municípios.

Joanne Lin, assessora jurídica da União Americana pelas Liberdades Civis (ACLU), estava entre os partidários da lei que expressaram frustração com o atraso. "Se a lei não for reinstaurada, não teremos nenhum procedimento formal de informação sobre mortes em vigor", ela disse. "Agora teremos de depender de informações informais sobre a morte de cidadãos norte-americanos prisioneiros bem como de detidos em casos de imigração".

No novo jogo, essa rede de informações informais termina por levar à criação de uma "parede memorial" na qual estão inscritos os nomes de 87 detidos que morreram em custódia das autoridades de imigração desde 2003, entre os quais Bah.

Homeland Gitmo coloca jogador na pele de um investigador que precisa desvendar a morte de um prisioneiro
Homeland Gitmo coloca jogador na pele de um investigador que precisa desvendar a morte de um prisioneiro

Tradução: Paulo Migliacci ME


The New York Times

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