terça-feira, 8 de julho de 2008

Produzindo um videogame que funciona como filme

"Metal Gear Solid 4: Guns of the Patriots" não é o tipo de jogo que realmente aprecio. Jogo videogames porque aprecio a liberdade que eles conferem. Em contraste com um livro, filme ou espetáculo teatral, um jogo me permite decidir o que acontece em seguida, ou ao menos me permite operar sob a ilusão de que minhas ações importam - de que, nos limites do jogo, minhas escolhas, conscientes ou não, ajudarão a determinar o resultado de minha diversão.

» Veja telas de MGS4

Milhões experimentam essa liberdade de forma ainda mais plena nos jogos online que envolvem outras pessoas. Meus jogos favoritos oferecem uma espécie de estrutura social no interior da qual os jogadores definem suas linhas narrativas ao longo de semanas, meses ou anos.

E há também os grande jogos sem vitória aparente, e sem adversários. Muitos dos mais reverenciados criadores de jogos, como Will Wright ("SimCity", "The Sims" e, em breve, "Spore") e Sid Meier ("Civilization") fizeram carreira ao oferecer espaços de jogo como esses. A série "Grand Theft Auto" revolucionou os jogos para consoles porque oferecia um nível sem precedentes de liberdade dinâmica no contexto de um entretenimento eletrônico relacionado ao mundo real.

"Metal Gear Solid 4" não é assim. Em lugar disso, é uma narrativa linear contada pelo criador da saga, o japonês Hideo Kojima. O jogador simplesmente pega uma carona na viagem. "MGS 4" é o mundo de Kojima, e ele informa aos visitantes sempre temporários aonde devem ir e o que devem fazer, e mais ou menos como fazê-lo.

A trama, que abarca o ato final da saga do guerreiro Solid Snake, se passa no futuro próximo. O novo título arca com a responsabilidade de concluir uma saga criada duas décadas atrás. As pontas soltas que precisam ser atadas são tantas e há tantos personagens cujos destinos precisam ser revelados que o jogo chega a parecer um catálogo de subnarrativas inacabadas.

Assim, "MGS 4" não é definitivamente meu tipo de jogo.

E mesmo assim, depois de mais de 20 horas jogando, saí tão impressionado com seus valores de produção suntuosos, tão deslumbrado pela atenção dedicada ao estilo visual, são cativado e atônito diante dos detalhes, da força e da energia da apresentação, que eu nem estava mais me incomodando com o jogo em si. E esse é um cumprimento completamente inesperado. Eu simplesmente me acomodei na cadeira, desfrutei do espetáculo e me diverti muito.

Não resta dúvida de que "MGS 4" é o produto de entretenimento de que a Sony precisava para exibir as virtudes do PlayStation 3, o único sistema para o qual o título está disponível. Existem rumores de que a Microsoft estaria pronta a oferecer muito dinheiro a Kojima e à Konami, a produtora do jogo, pelo direito a oferecer o jogo também em versão Xbox 360. Mas consigo entender agora porque isso não se concretizou ou ao menos porque a Microsoft pode ter fracassado nos esforços que tenha empreendido. Não acredito que a qualidade e o volume de detalhes visuais oferecidos pelo "MGS 4" seriam possíveis no Xbox, por enquanto.

Os jogadores e os criadores de jogos sabem que o PS3 tem mais poder de computação que o 360, e que todos os PS3 dispõem de um disco rígido, um recurso opcional no 360. Além disso, o PS3 emprega discos ópticos Blu-ray, cuja capacidade é muitos superior à dos discos usados no 360. O problema é que o PS3 é um console que gera dificuldades para os programadores, e por isso as produtoras têm lançado seus títulos primeiro para o 360 e depois convertido o software para o console da Sony.

Mas a maioria dos jogadores sabia que chegaria o dia em que, com o trabalho e investimento requeridos, os jogos para o PlayStation 3 começariam a superar os jogos para o Xbox 360 em termos de qualidade de conteúdo e nível de detalhe. E esse dia chegou. Se a Sony conseguir continuar obtendo jogos exclusivos que ofereçam a mesma profundidade que o "MGS 4", a Microsoft em breve se verá forçada a jogar em desvantagem.

O problema é que, no caso do "MGS 4", boa parte da profundidade que o jogo oferece pouco tem de interativa. O jogo é interessante e divertido, dentro de suas limitações - mas ele envolve basicamente percorrer determinados trajetos portando o equipamento certo, e eliminar os vilões que vão aparecendo. O que torna o "MGS 4" realmente interessante, porém, é que na verdade se trata de um filme muito longo e apenas esporadicamente interativo. Existem segmentos inteiros em que você passa meia hora apenas apertando botões que o conduzem ao próximo segmento. Há longas seqüências de explicação da trama, e nessas horas o jogador apenas assiste.

E os filmes se tornam mais freqüentes à medida que o jogo avança. A segunda metade nem parece jogo, em larga medida. É como uma coleção de filmes entremeados de segmentos interativos, e estes pouca diferença fazem quando ao que acontece na história. O jogador simplesmente executa o papel que lhe foi atribuído.

Mas os atores são excelentes e a profundidade do desenvolvimento de personagens capturam a atenção. E as cenas de ação são espetaculares ¿melhores do que qualquer coisa que eu tenha visto no cinema. Sem exagero.

E Kojima e a Konami merecem crédito por darem crédito aos atores que fazem as vozes dos personagens do filme. É uma inovação que as produtoras de videogames deveriam seguir para celebrar o talento de seus colaboradores. A maior parte das produtoras, como a Rockstar, responsável por "Grand Theft Auto", parece desejar que os atores fiquem anônimos. Duvido que os atores de "MGS 4" ganhem grandes cachês adicionais porque seus nomes se tornam conhecidos, mas pelo menos seus nomes são anunciados com a imagem dos personagens que interpretam, e não apenas em uma lista final de créditos.

É claro que, quando esses créditos enfim chegaram, eu estava feliz por o jogo ter acabado. Não que eu não tenha me divertido. Provavelmente, "MGS 4" foi um dos melhores filmes de ação futuristas que já vi. Mas eu estava com vontade de fazer minhas escolhas. Queria, em suma, jogar um videogame.

Cena do jogo Metal Gear Solid 4, do designer japonês Hideo Kojima. O enredo do novo game traz a aventura final do protagonista Solid Snake em vinte ...
Cena do jogo Metal Gear Solid 4, do designer japonês Hideo Kojima. O enredo do novo game traz a aventura final do protagonista Solid Snake em vinte anos de história da saga

Tradução: Paulo Migliacci ME


The New York Times

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