No vídeogame BioShock, uma música turbulenta ao estilo de Rachmaninoff toca enquanto um maligno compositor chamado Cohen grita, "presto, presto" antes de incinerar um pianista desafortunado e seu instrumento. Em Battlefield: Bad Company, os jogadores ouvem um quinteto de cordas tocar uma música suave como a de Bartok. Em Alone in the Dark: Inferno, o timbre evocativo do coral de mulheres Mystery of Bulgarian Voices dá ênfase ao suspense enquanto o herói luta por sua sobrevivência no Central Park. Essas são apenas algumas das recentes trilhas sonoras compostas e executadas por músicos de formação clássica que estão encontrando novos canais para seus talentos no crescente setor dos videosgames.
Há pouco tempo, esses trabalhos "eram como bicos para compositores que não conseguiam encontrar trabalho em outro lugar," disse Steve Schnur, executivo mundial de música e marketing da gigante de softwares Electronic Arts, lembrando que os bipes e zunidos dos primeiros jogos, como Good Humor truck, eram músicas criadas às pressas e no final do processo de desenvolvimento.
Agora as trilhas sonoras ¿ sejam rock, rap ou clássicas ¿ estão se tornando parte integral do produto finalizado, freqüentemente produzidas com extravagância e embutidas nos enredos e ações do jogo. Na melhor das hipóteses, Schnur disse, a música "é a razão da resposta emocional que os jogos nunca despertaram 10, 20 anos atrás."
O cuidado extremo dedicado às trilhas sonoras clássicas é evidente não apenas pela qualidade impressionante de muitas composições, mas também pelos músicos de primeira classe convocados para gravá-las. A música orquestrada de Mikael Karlsson para Battlefield é executada por um grupo de 70 pessoas (inclusive membros da câmara Alarm Will Sound e do International Contemporary Ensemble) sob condução de Alan Pierson. Wolfram Koessel, membro do Quarteto de Cordas Americano, executa os solos melancólicos de violoncelo.
Martin Chalifour, maestro da Filarmônica de Los Angeles executa o solo misterioso de Welcome to Rapture, parte da trilha de Garry Schyman para BioShock. Em Prince of Persia, Stuart Chatwood toca ud (um instrumento de origem árabe semelhante ao alaúde) e outros instrumentos para acrescentar um toque exótico à envolvente composição de Inon Zur.
O setor também tem atraído grandes compositores do cinema como Danny Elfman, Howard Shore e Hans Zimmer. O compositor Michael Giacchino começou sua carreira compondo para vídeo game (como a série Medal of Honor) antes de passar para o cinema e a televisão. Outros compositores podem seguir seu caminho agora que escolas de música como a Berklee College em Boston começaram a oferecer aulas de composição para jogos.
Para compositores e músicos acostumados a lutar para encontrar trabalho estável mesmo em tempos de abundância, é possível ganhar bastante dinheiro em um setor que, segundo o grupo de pesquisa NPD, gerou US$ 21,6 bilhões em vendas no varejo apenas nos Estados Unidos ao longo dos últimos 12 meses. Tommy Tallarico, compositor de jogos que fundou a Game Audio Network Guild para promover o setor, disse que o valor típico cobrado por um compositor é de US$ 1 mil por minuto de música, com profissionais renomados cobrando até US$ 2 mil. Para um jogo típico, que requer de uma a duas horas de música, o compositor pode ganhar entre US$ 60 mil e US$ 240 mil.
As trilhas cada vez mais variadas refletem "a maturidade crescente do setor de jogos, que está aprimorando a narração de suas histórias" e a criação de dilemas morais dentro dos enredos, disse Sean Decker, gerente geral da DICE, divisão da Electronic Arts que criou Battlefield. O maior desafio dos compositores é a mudança de um meio linear para um interativo, no qual a música precisa refletir diversos resultados possíveis em cada fase do jogo. Serão necessárias músicas diferentes, por exemplo, se o jogador morrer ou sair vitorioso de uma luta com um monstro perverso.
Jesse Harlin, supervisor musical da LucasArts (que utiliza músicas de John Williams, entre outros, para seus jogos de Star Wars) possui diversos demos dos compositores. Ele os incentiva a compor músicas que reflitam o que está acontecendo com o jogador na história e a evitar melodias repetitivas que podem fazer com que o ouvinte se canse. A música pode ser "misturada dinamicamente em tempo real pelo próprio jogo," ele disse, o que significa que se o jogador entra em uma situação de combate agitada, por exemplo, metais e percussão podem ser reproduzidos sobre uma trilha sonora de cordas.
Apesar dos avanços tecnológicos do setor, Zur disse que os jogos "ainda estão em estágio de desenvolvimento quanto à implementação musical." Para Prince of Persia, ele compôs músicas para inspirar uma emoção particular no jogador, não necessariamente para refletir o cenário. Um produtor de jogos, acrescentou, raramente estipula o que o jogador deve sentir e tende a apenas descrever situações específicas, o que dá ao compositor certa liberdade. Zur pode ser informado, por exemplo, de que "existe um monstro que dá medo e o herói não tem a menor chance." Mas ao invés de recorrer à "música de monstro assustador," conta, ele prefere compor uma música que reflita o pânico do jogador ao enfrentar uma batalha sem esperança.
Olivier Deriviere, que compôs para Alone in the Dark, disse que um complicador do processo era o fato da música geralmente ser criada alheia à produção do jogo, fazendo com que o alinhamento da história com a trilha se tornasse especialmente difícil. Mas o lado bom é que os compositores têm mais tempo para compor do que seus colegas do setor cinematográfico.
Alguns sistemas, como o Xbox 360, permitem que os jogadores configurem suas trilhas usando MP3. Mas muitos jogadores (até mesmo os mais jovens) apreciam a atenção que as empresas de software dedicam à música. Na Virgin Megastore em Union Square, Manhattan, Atticus Wakefield, 10, disse, "música e som dão mesmo mais intensidade ao jogo e fica muito melhor de se jogar".
Alexis Estrate, 20, visitante da França, disse que a ópera da rádio Double Clef FM de alguns jogos da série Grand Theft Auto "é legal, porque te acalma." (Outras rádios do jogo tocam jazz, metal e reggae.) Jamal Monsanto, 22, vendedor da Virgin Megastore, descreveu a trilha de Battlefield como "bem irada" e acrescentou que a música de um comercial do "Prince of Persia" o deixou mais inclinado a comprar o jogo.
Karlsson, cuja trilha para Battlefield foi inspirada em Mahler, Bartok, Schnittke, Schoenberg e no Quarteto Balanescu (um grupo de cordas de vanguarda), tinha consciência de que seu público alvo poderia não incluir muitos aficionados por música clássica. Silas Brown da Legacy Sound gravou o quinteto de Battlefield (três violoncelos, uma viola e um contrabaixo) para enfatizar o timbre de cordas agressivo e estridente, acompanhado dos ritmos de tambores africanos implacáveis do tema orquestral principal de Karlsson.
Karlsson disse que suas músicas de câmara em Battlefield, ouvidas quando a tela do jogo está carregando, eram tão incomuns que venderam mais que os trechos orquestrais disponíveis no iTunes. Diferente de trilhas de filmes, que geralmente são disponibilizadas em CD ou para download, apenas os principais títulos de jogos lançam suas músicas nos Estados Unidos, embora no Japão isso seja uma prática comum.
Atualmente, não há uma categoria separada no Grammy para músicas de videogame, que só podem concorrer na categoria de Música de Filme, Televisão ou Outras Mídias Visuais. Bill Freimuth, vice-presidente de premiações da Recording Academy, disse que não havia planos para acrescentar uma seção separada para trilhas de jogos, ação defendida por muitos do setor. (O MTV Video Music Awards criou uma categoria de jogos em 2006.)
Contudo, é possível que os compositores chamem mais atenção com músicas de jogos do que de filmes ou concertos, fazendo até mesmo com que mais pessoas apreciem música clássica. O uso de um canto gregoriano na trilha de Martin O'Donnell e Michael Salvatori para a popular série Halo sem dúvida contribuiu para despertar o interesse popular pelo canto. Os músicos também vêem o potencial: o pianista Lang Lang, por exemplo, já indicou que gostaria de criar um jogo usando o Guitar Hero como modelo.
Tallarico, que considera os jogos como "a rádio do século XXI," disse que criou a Video Games Live, uma série de concertos de multimídia com músicas de jogos populares, para "provar ao mundo a significância cultural que os vídeos games adquiriram." Após cada concerto, ele recebe muitas mensagens de e-mail de pais simpatizantes. Alguns dizem, por exemplo, que seus filhos agora querem aprender violino para poder tocar sua música favorita do jogo.
Tallarico se interessou em compor depois de ouvir a trilha sonora de Williams para Star Wars quando criança, o que também despertou seu interesse pelas sinfonias de Mozart e Beethoven. "Se Beethoven estivesse vivo hoje, ele seria um compositor de videogame", disse.
Schyman, cuja composição para BioShock também inclui agrupamentos sonoros e elementos aleatórios ao estilo de Penderecki, disse que a empresa desenvolvedora do jogo, Irrational Games, pediu que ele criasse algo único porque não queria uma trilha do tipo Carmina Burana.
Ele disse que enquanto produtores de televisão e filmes freqüentemente desejam música de ambiente, empresas de softwares "estão atrás de expressões poderosas". "Algo fantástico para um compositor," acrescentou.
Tradução: Amy Traduções

"Se Beethoven estivesse vivo, seria compositor de videogame", diz o fundador da série de concertos com músicas de jogos (na foto, apresentação no Brasil em 2007)
The New York Times